Quando eu era criança, enfeitava o pinheiro artificial com bolas coloridas, pisca-pisca e uma estrela no topo. Todo dia contava os presentes embaixo da árvore a fim de descobrir quem ganharia mais, e claro, quantos embrulhos eu rasgaria. No começo, os meus eram enormes: redondos, quadrados, retangulares. Bonecas, roupas, jogos. A ceia sempre era farta, mas a sobremesa e as cerejas eram o prato principal. O relógio marcava 23h, o sono começava a apertar, mas eu agüentava firme e forte. 23h30min e já escutava sinos ao longe. Ficava encostada na grade esperando ver algo no céu, ou melhor, alguém. 00h e rasgando todos os papéis dos meus presentes, deixando todos no chão e abraçando todo mundo. No máximo uma hora depois, eu já estava na cama dormindo. Com o tempo, os embrulhos diminuíram de tamanho. Um cartão, um anel, um livro. As cerejas continuaram sendo as mais requisitadas e sempre estão presentes em grande quantidade. O sono demora a chegar, não tem mais sinos e apenas músicas irritantes do pisca-pisca que enfeita a casa da minha avó. Hoje eu deito na rede e fico observando o céu e como as coisas mudaram... Tiro a fita que fecha os embrulhos e a dobro direitinho, para ocupar menos espaço. Dou um abraço em todo mundo, apenas um, pego minhas coisas e vou pra casa.
O dia 24 de dezembro sempre foi de expectativa: preparar a ceia, organizar os presentes; no dia 25, as preces, a celebração do renascimento de Jesus e a união da família. Mas eu cresci e comecei a ver com outros olhos o costume de entregar e receber presentes para todos. O sistema transformou a data numa comemoração comercial. Shoppings lotados, lojas fervendo, compras matérias para pessoas que precisam de ganhos espirituais. Daqui um século, como as crianças vão comemorar o dia 25? “Mais um aniversário onde se ganha e se dá presente para todo mundo”? Tá, eu sei que foi um pensamento pessimista, mas não duvido nada que chegaremos lá um dia...
Ontem, domingo dia 23, eu li na Revista do Jornal O Globo uma crônica da Martha Medeiros que traduz exatamente o que eu gostaria de falar. Eu poderia ficar horas e horas me expressando, mas a Martha o fez de maneira singular, como sempre.
‘O anel que tu me deste’
Martha Medeiros
Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora, fora do Brasil. Era a segunda vez que nos víamos. Os contatos anteriores haviam sido sempre por email, onde tratávamos de assuntos profissionais. De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu:
- É seu.
Fiquei super constrangida, não era essa minha intenção, queria apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram virando nossas “alianças”: desde então nossa amizade só cresceu.
Meses atrás, Marília Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no BNT quando aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes e sim para trabalhar. Mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria uma deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.
Nesta era de acúmulo, egoísmo e posse, gestos de desapego são raros e transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo que deve gostar muito – ou não estaria usando – e dar de presente, numa reação espontânea de afeto. Pessoas assim fazem isso por nada, aparentemente, mas, na verdade, fazem por tudo. Por gostarem realmente das pessoas com quem estão. Por generosidade. Para exercitarem seu senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um amigo é coisa que não vale perder.
Estou falando desse assunto não porque eu também seja uma desprendida. Bem pelo contrário. Já me desfiz de muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes. Assim, de supetão, por impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia, coisa que também está em desuso, pois sei de muita gente que, ao ver gestos como o de Ivete e o da minha amiga, diria apenas “Que trouxas.”
Devo estar me transformando numa sentimentalóide, mas o fato é que acredito que esses pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos todos muito rudes e autofocados. Desfazer-se dos seus bens para fazer o bem é uma coisa meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil. E não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para ouvir atentamente as dos outros. Não seria um mundo melhor?
Bom, o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo pra ver se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saia que serão mais bem aproveitadas por outras pessoas. É com esse espírito de compartilhamento que encerro esta crônica, desejando a todos os leitores um Natal com muitos presentes – mas no sentido de presença. Que na sua lista de chamada afetiva estejam todos ao seu lado, brincando o que lhes for mais importante: seja o nascimento de Jesus, ou a reunião familiar, ou apenas mais uma noite festiva de dezembro, ou um momento de paz entre tanto espanto, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore.
Então... Que a gente possa sempre pensar no verdadeiro significado do Natal... Não só nesse comercial que já foi tão embutido em nossas vidas...
Feliz Natal, então!
Um beijo!
Juízo!
Fotos:
01: Cibele C. K. - Presépio em frente ao Cruzeiro - Brasília